23 de janeiro de 2014

Até já Bissau!


Amanhã a esta hora já estarei no Senegal para no dia seguinte apanhar um voo para a Guiné-Bissau.
Finalmente vou reencontrar-me com os meus meninos!
Esta minha grande aventura, começou no dia 25 de Abril de 2009, quando decidi ir fazer voluntariado para o Orfanato Casa Emanuel em Bissau.
Esse dia mudou completamente a minha vida, para melhor, e desde aí todos os bebés, crianças, missionários e voluntários passaram a fazer parte dos meus dias, pensamentos e sonhos.
Durante estes anos fui mantendo o contacto com eles, fiz campanhas para angariar donativos, criei o blogue Sorrisos Sem Cor onde espalhei a causa e a mensagem e abracei o projeto de apadrinhamento à distância, Padrinhos Sem Fronteiras.
Como responsável deste projeto a minha principal função é a de esclarecer as pessoas para a importância de apadrinharem uma criança órfã e contagiá-las de forma a que sintam que o querem fazer. 
Uma tarefa fácil pois faço-a de coração.
No entanto, apesar da minha possível dedicação, senti sempre que faltava realizar o sonho e a promessa de lá voltar.
Daqui a umas horas vou entrar pelos grandes portões vermelhos do orfanato e entrar no pequeno mundo dos sorrisos e abraços mais doces que alguma vez senti.
Prometo partilhar aqui fotografias e notícias da Casa Emanuel.


21 de janeiro de 2014

Made with love


A poucos dias de embarcar em mais uma viagem "emocional" como lhe chamo, e com a possibilidade de levar apenas 20kg de bagagem, decidi desta vez levar uns miminhos feitos em casa.
Tenho a preocupação de alertar as "nossas" crianças e em particular as minhas sobrinhas para a realidade das crianças de outras partes do Mundo, menos desenvolvidas e com grandes carências.
Mas como ainda é cedo para as levar comigo para conhecerem este orfanato onde fiz voluntariado, quis envolvê-las de alguma forma nesta missão. 
A ideia era fazermos algo artesanal e em que elas tivessem que despender tempo, paciência, dedicação e amor. 
Missão cumprida, o entusiasmo foi muito, elas adoraram e já tenho na minha mala prendas para mais de 70 meninas.
Ficou prometido mostrar a reacção quando lá chegar e por isso na próxima semana prometo partilhar todas as emoções em fotografias.


1 de janeiro de 2014

Uma "hipótese" de paraíso - A vida triste de uma terra chamada Guiné...


"A Guiné-Bissau vista do céu parece uma hipótese de paraíso. Os campos de arroz são verdes e cintilam no seu fulgor aquático. Na aproximação a Bissau, o mar é omnipresente e leva a sua imensidão a toda a terra. Mesmo no solo, olhando as pessoas, desde logo a sua diversidade – de faces, de estaturas, de línguas, de modos de ser – parece transmitir uma extraordinária harmonia, pelo menos na superfície, o que, não sendo toda a existência, já é uma verdade. Mas, assente a poeira, o drama da pobreza quase endémica, da impunidade face ao crime, da vulnerabilidade ou da inexistência das instituições, da corrupção, impede qualquer deslumbramento continuado.

Na última década, acentuando as dificuldades estruturais do país, os muitos conflitos militares e a subjugação ao narcotráfico tornaram a Guiné-Bissau num case study internacional pelas piores razões. Exemplo de "Estado falhado", de "Estado frágil", de ausência de Estado. Exemplo também da incapacidade e da ineficácia das organizações internacionais mais poderosas, como as Nações Unidas e a União Europeia, cujas inúmeras operações nos últimos anos alimentaram um verdadeiro exército, rotinado e descrente, de funcionários e de consultores.

O recente episódio dos refugiados sírios chegados a Lisboa provindos de Bissau, num acto quase de pirataria aérea sobre um avião da TAP, é apenas uma pequena nota de rodapé.

Muito antes desse episódio, há por exemplo a história dos proprietários de um hotel numa das ilhas guineenses que um dia vêem chegar um pequeno avião e dele desembarcar um grupo de homens que, a troco de uma mala com dinheiro, os força a abandonar a sua casa, o seu negócio e as suas vidas, abandonando a ilha imediatamente no mesmo avião em que os outros tinham chegado – porque afinal aquela ilhota era um local conveniente para o tráfico da cocaína sul-americana a caminho da Europa.

Ou a história dos colombianos milagrosamente detidos no aeroporto de Bissau com um carregamento de 900 (!) quilogramas de droga e que poucas horas depois estavam em liberdade e em paradeiro desconhecido.

Ou a historia da juíza que se surpreende ao ver o criminoso que acabara de condenar a uma forte pena de prisão por um crime grave cruzar-se com ela na rua e dirigir-se-lhe em tom ameaçador. Não deveria contudo surpreender-se: durante muitos anos (ainda hoje?), a Guiné foi provavelmente o único país do mundo a não dispor de uma prisão. A única existente havia sido destruída no último conflito militar na cidade de Bissau e nunca reconstruída... Duas celas na sede da polícia – de uma polícia de investigação criminal sem armas suficientes, sem computadores, sem algemas, sem veículos – serviam então de instalações prisionais, impossíveis de descrever no papel.

Triste ironia: a terra de onde chegam os refugiados sírios é a mesma terra onde muitos guineenses são afinal refugiados no seu próprio país e fora dele."

Miguel Romão
Professor da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa